
O Papel da Assistência Técnica em Processos Judiciais e Arbitragens
Como a assistência técnica pode impactar o resultado de processos legais
1. Introdução
Disputas legais envolvendo discussões técnicas e execução de cálculos diversos, tais como: aditivos contratuais, reequilíbrio econômico-financeiro, avaliação de empresas, erros construtivos e de projetos de engenharia, cálculos de perdas e danos e lucros cessantes,… são cada vez mais comuns — e geralmente apresentam um grau de complexidade que excede o conhecimento jurídico.
Nesses casos, é fundamental que aspectos técnicos sejam corretamente compreendidos e considerados na tomada de decisão, quando então são nomeados peritos de confiança dos julgadores para auxiliá-los.
É nesse ponto que a assistência técnica assume um papel estratégico: atuando como o elo entre o conhecimento especializado e o processo legal. Trata-se da participação de engenheiros, economistas, arquitetos, contadores ou outros profissionais técnicos indicados por uma das partes para acompanhar e interagir com o trabalho pericial, além de produzir pareceres técnicos em separado, definir escopos e estratégias, elaborar quesitos técnicos para serem elucidados, entre outros.
Mais do que um suporte, a assistência técnica representa uma ferramenta decisiva, capaz de influenciar diretamente no desfecho de uma ação judicial ou procedimento arbitral. Ao longo deste artigo, serão discutidos o conceito, os impactos e as melhores práticas da assistência técnica, destacando sua relevância para profissionais que atuam em contextos contenciosos.
2. O Que é a Assistência Técnica?
A assistência técnica em litígios judiciais ou arbitrais consiste na atuação de um profissional especialista, indicado por uma das partes envolvidas, com o objetivo de fornecer suporte técnico qualificado durante o processo. Esse profissional é comumente um engenheiro, arquiteto, economista, atuário, contador ou outro especialista com expertise na matéria controvertida.
O assistente técnicos deve sempre buscar as melhores fundamentações técnicas visando alcançar os interesses da parte que o contratou.
Sua atuação se inicia geralmente com a análise minuciosa dos autos processuais e de eventuais documentos técnicos apresentados pelas partes, assim como de reuniões com os contratantes e seus representantes.
Usualmente, o assistente técnico pode contribuir de diversas formas, quais sejam
- Formulação de quesitos técnicos para serem elucidados pelo perito nomeado pelo julgador: A qualidade dos quesitos é determinante para a profundidade e a direção da perícia.
- Acompanhamento das diligências periciais: Seja em vistorias in loco ou reuniões técnicas com o expert do julgador, o assistente técnico pode levantar questionamentos, esclarecer aspectos relevantes e garantir que as condições reais do objeto da perícia sejam registradas corretamente.
- Análise crítica do laudo pericial: Após a entrega do laudo, é papel do assistente técnico avaliá-lo tecnicamente, identificando eventuais inconsistências, omissões, extrapolações metodológicas ou interpretações indevidas. Nesta fase é apresentado um PARECER TÉCNICO em separado para juntada nos autos, visto que o julgador não está adstrito ao laudo pericial, conforme previsto no CPC (código de processo civil)
- Elaboração de parecer técnico complementar: Muitas vezes se faz necessário manifestar tecnicamente, após o perito do julgador prestar esclarecimentos nos autos. É fundamental deixar claro quais valores e entendimentos técnicos o assistente entende como corretos, mesmo que discrepantes ao do perito.
Por exemplo:
- Em um pleito sobre falhas construtivas, o assistente técnico engenheiro pode demonstrar que os danos não decorrem de erro de projeto, mas de falhas de execução ou uso inadequado.
- Em um pedido de reequilíbrio contratual, o assistente técnico economista pode demonstrar, por meio de comparações com índices setoriais e projeções financeiras, que os custos incorridos extrapolaram os limites do contrato original por causas alheias ao contratante.
Outro ponto relevante é que o assistente técnico também atua como ponte de comunicação entre o advogado e o universo técnico. Muitos termos e conceitos técnicos são alheios ao campo jurídico, e a clareza na tradução desses elementos é essencial para uma boa condução processual.
A assistência técnica não é uma função genérica — ela exige especialização conforme a natureza do litígio.
A atuação da assistência técnica transcende a simples produção de laudos ou pareceres. Seu impacto é perceptível ao longo de todo o desenvolvimento processual, desde a fase inicial de instrução até a fase decisória.
A integração entre advogado e assistente técnico permite que os argumentos legais estejam respaldados por fundamentos técnicos coerentes.
Sem essa sustentação técnica, o risco é que o litígio seja decidido com base em percepções superficiais ou argumentos genéricos.
A soma dessas contribuições transforma a assistência técnica em um elemento chave para o sucesso processual. Mais do que um suporte técnico, o assistente técnico é um estrategista técnico-legal que ajuda a construir a narrativa fática com rigor, coerência e credibilidade.
3. Na Arbitragem: Agilidade e Profundidade Técnica
A arbitragem tem se consolidado como um meio eficaz de resolução de disputas técnicas complexas, especialmente em contratos de grande porte envolvendo obras de infraestrutura, empreendimentos imobiliários e concessões públicas.
Nesse contexto, a atuação da assistência técnica adquire características particulares — e frequentemente mais exigentes — do que no Judiciário tradicional.
As diferenças principais entre os procedimentos arbitrais e os trâmites no Processo Judicial são:
- Celeridade: A arbitragem possui prazos mais curtos e definidos, o que exige da assistência técnica agilidade na elaboração de pareceres, análise de provas técnicas e acompanhamento de sessões.
- Flexibilidade processual: Ao contrário do processo judicial, o rito arbitral pode ser moldado pelas partes. Isso pode incluir a adoção de procedimentos como hot tubbing (debate técnico simultâneo entre peritos e assistentes técnicos), exigindo preparo comunicacional e domínio profundo da matéria.
- Especialização dos árbitros: Em geral, os árbitros são profissionais com conhecimento técnico ou jurídico específico. Isso permite uma argumentação técnica mais avançada, mas também requer maior rigor na fundamentação do parecer do assistente técnico é do perito.
Participação em Sessões Arbitrais
Durante as audiências arbitrais, o assistente técnico pode ser convocado a:
- Expor conclusões técnicas oralmente, o que exige habilidade de comunicação, domínio da terminologia técnica e capacidade de síntese.
- Responder a questionamentos técnicos de árbitros ou da parte contrária, de forma clara e fundamentada.
- Participar de painéis técnicos conjuntos com o perito do tribunal arbitral e o assistente técnico da contraparte, o que exige postura ética e precisão argumentativa.
Essa atuação direta potencializa a influência da assistência técnica no convencimento do tribunal arbitral.
Mal comparando, pode-se dizer que nesta fase a perícia e a assistência técnica no procedimento arbitral são com uma prova oral , enquanto no processo judicial seria uma prova com consulta e com mais tempo disponível para resposta.
Na arbitragem, o assistente técnico assume uma responsabilidade técnica e estratégica ampliada:
- Seu parecer pode ter o mesmo peso que um laudo pericial, sobretudo se o tribunal for formado por profissionais técnicos.
- A exposição direta e a argumentação oral elevam o nível de exigência sobre a consistência técnica do trabalho apresentado.
- A apresentação de provas robustas, gráficos comparativos, estudos de caso similares e simulações computacionais fortalecem a credibilidade da parte assistida.
Profissionais experientes e reconhecidos tendem a ser altamente valorizados nesse meio, abrindo espaço para atuações de destaque em arbitragens de alta complexidade.
A assistência técnica na arbitragem, portanto, não se limita ao suporte documental. Ela representa uma vertente ativa na estratégia da parte, sendo decisiva na formação do juízo técnico dos árbitros.
4. Desafios do Assistente Técnico
A atuação como assistente técnico em processos judiciais ou arbitrais exige não apenas domínio técnico, mas também habilidades complementares como clareza comunicacional, postura ética, entendimento processual e atualização constante. A seguir, são destacados os principais desafios enfrentados para quem atua nesse campo:
- Comunicação entre áreas distintas (engenharia e direito)
Muitas vezes, o assistente técnico precisa traduzir conceitos altamente técnicos em uma linguagem acessível aos operadores do direito. A dificuldade em tornar os argumentos compreensíveis pode comprometer a eficácia da argumentação técnica. - Tempo reduzido para análise e elaboração de pareceres
Processos arbitrais e judiciais frequentemente impõem prazos curtos para resposta, o que exige organização e métodos de trabalho ágeis, sem prejuízo da profundidade técnica. - Conflitos éticos e imparcialidade técnica
Embora o assistente defenda os interesses da parte contratante, ele não deve distorcer informações técnicas. O risco de parcialidade compromete a credibilidade do trabalho. - Complexidade técnica dos temas abordados
Litígios que envolvem simulações estruturais, análise de patologias ou apuração de impacto de eventos contratuais requerem domínio de ferramentas computacionais e metodologias avançadas. - Atualização normativa e jurisprudencial constante
Alterações em normas, decisões judiciais e mudanças regulatórias exigem atualização frequente para manter a atuação técnica alinhada aos padrões mais recentes.
5. Considerações finais
A assistência técnica, quando corretamente aplicada, não é apenas um recurso auxiliar — ela é um pilar técnico-estratégico nos processos judiciais e arbitrais que envolvem questões de engenharia, arquitetura e perícia especializada. Sua presença pode significar a diferença entre uma decisão superficial e uma tecnicamente embasada.
Ao longo deste artigo, ficou evidente que o assistente técnico:
- Contribui ativamente na definição dos rumos do processo, desde a formulação de quesitos técnicos até a elaboração de pareceres que sustentam ou contradizem conclusões periciais.
- Aproxima o universo técnico do jurídico, traduzindo complexidades da engenharia para uma linguagem que permita aos julgadores e árbitros tomarem decisões mais informadas.
- Eleva o nível de qualidade das disputas técnicas, especialmente em arbitragens de alta complexidade, onde o rigor técnico e a clareza argumentativa são fatores decisivos.
Em um ambiente onde decisões legais podem envolver quantias vultosas, impactos em obras públicas e consequentemente na vida dos cidadãos, ou a responsabilização de profissionais e empresas, a precisão técnica torna-se uma exigência — e não mais um diferencial.
Implicações para os Profissionais da Área
Para profissionais que desejam atuar como assistentes técnicos, algumas implicações são claras:
- Formação técnica contínua: O domínio das normas, ferramentas computacionais e práticas construtivas atualizadas é essencial.
- Desenvolvimento de habilidades transversais: Saber redigir bem, comunicar-se de forma clara, compreender o raciocínio jurídico e atuar estrategicamente são competências indispensáveis.
- Responsabilidade ética e profissional: A credibilidade do parecer técnico está diretamente ligada à honestidade metodológica e à integridade do profissional.
Para advogados e operadores do direito, compreender o papel da assistência técnica é igualmente vital. Um advogado tecnicamente bem assessorado poderá formular melhor sua tese, evitar decisões desfavoráveis por falhas técnicas não identificadas e enriquecer seu arcabouço probatório.
Caminhos para o Futuro
Diante do avanço das tecnologias e do aumento da complexidade dos contratos e obras de engenharia, a tendência é que o papel da assistência técnica:
- Se torne ainda mais especializado, exigindo certificações e formações voltadas à perícia judicial e arbitral.
- Seja integrado com metodologias digitais, como modelagem BIM, inteligência artificial aplicada à análise documental e utilização de bancos de dados técnicos.
- Ganhe espaço nas formações acadêmicas e profissionais, ampliando sua presença em cursos de engenharia legal, perícia técnica e arbitragem.
Conclui-se, portanto, que investir na qualidade da assistência técnica é investir na eficiência, justiça e credibilidade das decisões legais e arbitrais.
Profissionais comprometidos com essa missão exercem não apenas uma função técnica, mas um papel essencial na construção de uma sociedade mais justa, transparente e tecnicamente fundamentada.